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terça-feira, 26 de abril de 2011

Evanira.

Era o ano de 1935 e meu pai tinha um jumento, que era brabo a beça. O bicho fazia todo o trabalho pesado do sítio. Mas ele relutava, empacava, dava coices e não obedecia de jeito algum meu velho pai. Pois sabia muito bem que seria levado pro trabalho duro.
Ouvia meu pai ralhar com o pobre bicho, xingando ele de tudo quanto é nome. Eu devaria ter uns dez anos, e assustada ia ao quarto de minha mãe:
- Mãe, o pai ta nervoso, vai lá ajudar ele.
Ela respirava fundo e virava a cabeça pro lado, os lábios finos, as rugas, o rosto sofrido. E o virar a cabeça significava claramente desdém. Mas eu sabia que se ele voltasse pra dentro de casa sem que o jumento o obedecesse, ele descontaria em nós... Puxaria o revólver, como muitas vezes fez, e quebraria as poucas coisas que tínhamos. E tudo porque fora contrariado. E eu não podia deixar isso acontecer denovo: arribei as saias e saí. Enquanto meu pai fumava num canto seu cigarro de palha, eu fui convencer o jumento, e disse no seu ouvido: "Vem bichinho, vem comigo." E ele, que ao lado de meu pai mantinha as orelhas duras para baixo, destencionava e levantava as orelhas, e olhava muito fundo em meus olhos.
Confiava e me seguia, mas eu, traídora, o levava à meu pai, que me olhava dos pés á cabeça, sem emitir um único som. Fazia tudo isso não para o agradar, mas sim para não ver mais uma vez toda aquela ladainha, dele ameaçar minha mãe e todo aquele reboliço... Era única e exclusivamente por isso que eu traía a confiança, que o pobre bicho depositava em mim.
Enquanto andava em diração a casa do sítio, ouvia os gemidos de dor do jumento, que, com certeza meu pai estava surrando, achando que assim ele não seria mais tão birrento. E pensar que fora eu que o tinha levado pra junto de meu pai, doía fundo no meu coração de criança.
Entrava em casa com os pés sujos de lama, e ía de mansinho até a cama da minha mãe, que já dormia. Beijava-lhe a testa e dizia, quase inaudível: "Hoje a senhora dorme sossegada minha mãe."

Levante o véu.

Hoje minha fita do Senhor do Bonfim arrebentou. Na verdade, quando eu acordei achei ela na cama, e não tinha arrebentado, mas sim desfeito os três nós bem presos. Eu não lembro quais eram os três pedidos. Na verdade lembro de um único, e sei que os outros dois envolviam você, na real, eu mais você, numa história ímpar, como queríamos desde o início.
Mas, sua morte artifícial já aconteceu. E não vale a pena esperar que algo bom aconteça hoje, ainda mais quando quem se amou por muito tempo morreu. E recebi um email vindo da casa dos mortos que dizia: O pra sempre acaba. E tudo muito formal, como se nunca tivessemos tido nenhuma liberdade. Quase um por favor, mande os arquivos que solicitei.
Doux rêves, e sei que um dia você vai acordar. E eu continuarei a dormir e sonhar.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Les jours triste,

21:59 E ela ligou. Com alguma esperança dele atender e ela começar a conversa: - Pensei que não fosse me atender...
Ele ficaria em silêncio, e ela não teria o que dizer. O que dizer nessas horas? Já havia demonstrado toda sua fraqueza, já usou todos os artifícios mais mentirosos. Tenho outro! - ela disparou pra assustar. Mas não adiantou, nada adiantará. O amor nele estava morto. O tempo, os prédios, os quilometros, e principalmente o crescimento matou todo o amor, que era fresco, que era infantil, que era duro, que era forte. Era forte, era forte. Era, era... Foi.
Foi, agora tudo pertence ao passado. E ele disse: confia no futuro. Como? E o pior é que ele realmente acredita no futuro. O futuro? O dela é bonito; pena que ainda não o sabe. Mas ele é próximo, e não envolve amor. Amor é coisa ruim, cobra espaços que hoje pouca gente dipõe. E disputa tempo com o mundo, porquê o amor não pertence ao mundo. Amor é imaginário, e faz parte das doenças mentais.
O telefone toca. Seria ele arrependido?
- Pronto. - ela atende forçando, um pouco, uma voz triste.
- Opa, tudo bem? Posso falar com o Beto?
- Não tem nenhum Beto aqui não cara!
- Ah, tá bom.
O canto da cama onde ele sempre ficava estava ali. O canto da parede onde se amassavam estava ali. O chão onde muitas vezes se amaram estava ali. A prateleira que ele sempre arrumava estava ali. Tudo estava ali, menos ele. As folhas tomavam conta do quarto, isso fazia ela um pouco feliz, pois assim alguma coisa nova fazia parte do cenário. Alguma coisa ali traía a fome que as lembranças tinham de ficar.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Tem espaço.

É... Eu ando meio tarada pela Lua. Enfim, na falta de muita coisa resta alguma coisa. Tá, nem eu entendi.


E sempre que subo no terraço pra vê-la escuto a Valsa de Amelie, que é extremamente linda. E me dá vontade, ou melhor, eu saio dançando, rodando, dançando, rodando.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Tum.

Quando as pessoas são almas gêmeas, sempre acabam juntas no final.
- Quero ser outro cara.
- Que tipo de cara?
- Um bom o suficiente pra ser visto do teu lado.
E separaram-se sem data pra voltar.






Morena dos olhos d'agua, Chico Burque.


[..]
Morena, dos olhos d'água,
Tira os seus olhos do mar.
Vem ver que a vida ainda vale
O sorriso que eu tenho
Pra lhe dar.

Seu homem foi-se embora,
Prometendo voltar já.
Mas as ondas não tem hora, morena,
De partir ou de voltar.
Passa a vela e vai-se embora
Passa o tempo e vai também.
Mas meu canto 'inda lhe implora, morena,
Agora, morena, vem.

domingo, 17 de abril de 2011

Umbu ou anotações sobre um amor nem um pouco urbano.



Debaixo do umbuzeiro, onde Lampião e seu bando descansou, onde ele e Maria bonita fizeram Expedita, e onde nasceu ela, a filha única da resistência sertaneja.
Assombreados pela árvore sagrada do sertão, estavam os dois deitados. Que depois estariam separados por um imenso pedaço de terra vermelha e seca... Mas agora vou fingir não conhecer o fim dessa história.
Eles derramam leite sobre a terra, o gozo: leite da vida. E ali debaixo está a raíz do umbuzeiro, de onde se extrai o leite que retarda a morte seca, o líquido que mata, e que matou a sede de muito homem bom, desses que sabem os segredos dessa terra resistente.
Mas a única sede do casal era o amor, e a esperança que é artigo de luxo pra esse lado do Brasil. E além do leite, derramavam o sangue do fim da pureza da moça. O fluído vermelho penetrava com facilidade o solo sedento, que já havia bebido o sangue de Canudos: sangue de milico, povo e conselheiro. E agora sugava o da moça.
- Eu te amo mais que qualquer coisa desse mundo. - ele dizia baixinho.
- Eu também, muito.
E se beijavam sob a sombra gostosa do umbuzeiro. Mas logo eles chegariam.
- Homem nenhum nasceu pra ser pisado Rosa!
- Abre mão dessa luta. Nós podemos fugir dessa secura humana. Recomeçar... Hein?
Ele não era ingênuo, e sabia que nesse Brasil que falta pão não há espaço pros sonhos de amor.
- Eles estão a caminho Rosa! Vá embora, eu sei de minha morte, e lido com ela há muito tempo, só não lido com a hipótese de você a ver.
- Pois eu não vou! Eles que me matem também.
Graciliano iria insistir, iria xinga-lá se fosse preciso, pra que ela fosse embora. Mas não havia tempo, no sertão até o tempo é racionado, pois eles chegaram: Sem nada dizer, pois a economia afetava inclusive as palavras, atiraram pra matar. E no nada, no meio da vegetação cinza, debaixo da árvore verde só se ouvia o grito de Rosa. Mas quem? Quem, meu Deus, ouvia o grito? Ninguém.
Ela queria enterrar-se junto a ele; cravou a unhas no chão batido, mas era inutil, pois a terra não se deixaria mover.
E nesse sertão esquecido, embaixo do umbuzeiro, onde ninguém consegue se enterrar, nem enterrar a ninguém. Onde não cabe amor, nem poesia, morreu Graciliano.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Havia mil motivos.

Preciso pegar esse bonde. Puta merda odeio correr, vou chegar ofegante dentro dele, e se o homem da minha vida estiver lá dentro? Não quero que ele me veja logo de cara suada. Mas sabe o pior, penso tudo isso enquanto corro. Entro, ufa. Olho em volta e nada me chama atenção.
Próxima parada: entra uma senhora com um colar de pérolas. É ele, é o colar da minha avó. E um arrepio me percorre. A minha avó era uma mulher linda. De fato muito bonita, mas profundamente triste, talvez o meu lado dramático venha daí. Ah não vou fazer essa comparação idiota, minha avó tinha motivos reais pra ser triste.
Tenho duas lembranças, ela sempre usava esse colar que ninguém sabe onde foi parar, e lembro que ela passava pó de arroz no meu rosto e me chamava de boneca de porcelana. Meu avô era um cara do tipo bruto, e não cuidou dela como ela merecia. A enchia de jóias... Mas pra que elas servem, quando falta dizer te amo? Ela nunca ouviu um eu te amo, tenho certeza. Eu nunca disse eu te amo pra ela. Nem pro meu pai, nem minha mãe. Que dissecante pensar nisso! Meus pais nunca disseram "eu te amo", está subentendido. Está? Eles morrerão, eu morrerei e ela morreu e nunca quebramos esse gelo. Talvez se faltasse dinheiro o amor sobraria.
Será que ela me escuta? Olho fixamente pro colar, a senhora que o usa deve estar pensando que vou roubar, sei lá. Desvio o olhar com dificuldade. Duda Duda, deixa isso pra lá, olha pra pista.
Olho pra pista, como manda minha razão. Mas não consigo parar de pensar nela. Queria conseguir dizer o quanto ela era bonita. Ela morreu... e nenhum filho, nenhum neto disse: "Eu te amo Isabeli!" Ninguém.
Fecho os olhos pra prender o choro que quer rebentar. E digo em voz baixa: Vó, eu te amo muito. E tenho certeza que essa herança bruta é pura fachada, pois no fundo todos nós aqui te amamos e admiramos muito, pela mulher forte e linda que foi.

domingo, 10 de abril de 2011

Chora Pierrot.

Meus cabelos estão claros, do jeito que você não gostava. Talvez pintar os cabelos de louro acaju é uma forma de não lutar mais por você. É uma forma discreta de dizer que não gastarei essa pouca energia me esforçando em te agradar a distancia. Porque essa distância é tosca. E nossas ultimas conversas foram ainda mais toscas: Eu ameaço me matar(tem coisa mais idiota ou melodramática?) e você age como um psiquiatra " calma, você tem muito o que viver" e conclui: "se cuida." Devo ter ouvido nesses ultimos meses uns mil e quinhentos "se cuida" no som da sua voz, que antes servia pra dizer " te amo, hoje e amanhã e sempre." É difícil encarar que a sua voz não dirá mais eu te amo. Antes era tão simples, e agora ouvir um eu te amo seria a cura. Cura do que?
Nós iríamos casar, lembra? Discutíamos horas o que tocaria na minha entrada na igreja. Você todo conservador queria violinos e eu queria que tocasse all star, relicário ou sinceramente. E sempre acabávamos rindo muito das discussões antecipadas. Ah que merda! Não quero rememorar nada disso. Quero te apagar, vou contratar um especialista nisso... Vou te apagar e ser muito egoísta pra deixar você sofrer sozinho.



p.s (meu, Dani.) Sei que os últimos contos estão muito dramáticos, e que tá chato ler tanta coisa sobre o mesmo assunto. Mas é uma fase que encerro (por enquanto) hoje.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Ela ela ela.

- Que frio! - disse ele pra quebrar o silêncio.
- Pois é... - disse ela pra não ficar calada.
Por fora tudo era calmo, mas por dentro, os dois sentiam como se tudo ardesse num fogo. Era sufocante deixar o silêncio reinar, era preciso preencher o momento com falas, mesmo que tudo fosse vazio, mesmo que as palavras fossem uns adornos idiotas.
Os dois, mesmo sabendo que tudo dito era ruído, continuavam feito bestas colocando a mente pra funcionar, tentando quebrar o suposto gelo.
- Quando isso começou? - perguntou ele
- Isso o que?
- Isso... De um chamar o outro de amor, do "eu te amo" virar " bom dia", " boa tarde", " boa noite" e o pior de tudo: quando o "eu amo você" virou pedido de desculpa que não se pode negar?
- Quando você fechou os olhos. - disse ela, olhando pro asfalto gasto.
- E eu os fechei?
Para a pergunta veio o silêncio, que os incomodava tanto. Continuaram andando, e ele achou uma resposta que não respondia:
- Eu estou feio, sujo, barbudo...
- Eu não disse que você fechou os olhos para você.
- E por acaso foi pra você?
Novamente o silencio.
- Não quero ficar sem você Sandro. Não quero ir, e precisar me redimir pra poder voltar.
- E se você for e não voltar?
Se olharam, agora sem nenhuma vontade de que, um ou outro respondesse à pergunta.
- Hoje o céu tem estrela a beça. Lembra quando vimos o eclipse juntos?
- Lembro - ele riu - Mas não foi, propriamente dito, juntos. Foi pelo celular...
- É verdade ia ser de madrugada... Nós programamos o despertador e quando começou, era uma da manhã, você me ligou.
A nostalgia fez as palavras serem deliciosas, serem de verdade ditas, e não vomitadas. Mas a realidade... Ah a realidade:
- Preciso ficar longe de você. - ele sentenciou.
Ela não chorou e não gritou. Mas sangrou e como sangrou. E como era denso e incrivelmente vermelho o sangue da moça. Ela não tentou acordos e não ligou. Mas odiou. E mais: odiou a ponto de sair com caras babacas, fingindo ver neles um amor. Mesmo que um amor medíocre, mediano, sujo e eu diria vagabundo!
Mas ele chorou, gritou e pensava em voltar. Mas não tinha coragem de dizer à moça que estava errado (homens, sempre racionalmente ridículos). O moço finge não saber que, sentir saudade de alguém vivo é tão mortal quanto as drogas fabricadas, que ele usa agora. E tudo por orgulho. Ah o orgulho.

domingo, 3 de abril de 2011

Minha, agora, borboleta.

Sexta indo por banheiro da unifesp achei num canto essa borboleta morta. Dai na hora resolvi que ela ficaria no meu moleskine, que agora anda com tudo. Tem até umas poesias, mas não ouso coloca-las aqui, são bem ruins. Mas queria mostrar ela, é bem simples, mas ao mesmo tempo encantadora. E como eu colei ela, tirei uma foto.